— Jean-Paul Sartre
São as correntes das veias de
tudo que perpassam todos os caminhos, todos os cantos, rincões e sonhos. É a
realidade por si só que se faz sonho e o sonho em si que se transforma em
realidade, os dois com suas formas diferentes de serem ao mesmo tempo tudo e
nada, sublimes e pífios, formadores da gente.
É a linha vertical inexistente
que divide nosso corpo em duas partes iguais a grande responsável pelo fluxo da
“carroça de tudo na estrada de nada”. A
subtração do outro consome o um que restou, ou seja, sem ser corpo não se é
alma, não se é sem morrer, tampouco se é deus sem ser um pouco cachorro, e vice
versa – bendito seja o inglês na sua conjectura no espelho de god e dog.
Não há religião e ateu que não
combinem, pois todo ser humano é o tudo e o nada, inconsoláveis condenados a um
universo de consolação, e a linha que divide o tudo absoluto sempre em dois -
subtraindo-se todas as suas variações – é fluxo, onde mora deus sem existir e o
homem sem saber.
É nesse espaço abstrato e real que
os demônios subterrâneos da metáfora inspiram o comportamento violento do
cotidiano, e os deuses da iluminação os seus correspondentes homens bons, mas
sempre uns relacionados aos outros, um fluxo contínuo de vida em doses
materiais e abstratas. Assim toda poesia é injetável e toda droga é eterna, uma
vez que deuses e cães estão relacionados, e o que nos resta da experiência é a
poesia, a poesia é uma grande injeção de tudo e tudo é um pico certeiro nas
veias, as quais convergem todas para o coração que se divide em duas partes
iguais, como os lados macho e fêmea em que se divide todo o universo. A parte isso, o que sobra é um amontoado
crescente de coisas e não coisas onde se trepa para alcançar: outro pico.
Toda poesia é injetável e o que
não é isso, são meios para isso, como o “rabo pra aquém do lagarto
remexidamente”
A picada d’agulha no couro, na
veia, é o estralo sonhador epifanico que resulta no fluxo sanguíneo e imaterial
onde a escuridão e a luz fazem as pazes.
O suposto equilíbrio de Yin e
Yang de que goza o homem que injeta, é o mesmo que desfruta o poeta obcecado ao
conseguir o que quer.
Fazer poesia é injetar, buscar
sem saber o que, e isso é tudo. O bem, a vida, o fluxo.
Literatura é cultura e faz
escolas, já a droga dita o ritmo do homem comum, e um lugar não é senão feito
de homens, e a escola não é senão uma coisa humana culturalizadora por meio de
injeções de poesia sobre homens de vício.
O perigo de se fazer poesia é
sempre o mesmo de injetar-se: ter que responder constantemente a pergunta “para
quê?”
Toda poesia é injetável porque
não se respondem perguntas quando existir é o que te resta, afinal quem consola
é aquele que não existe – deus? Um homem que não fuma? – e o pico da existência
é poesia.
Isto não é uma poesia.
O surrealismo da alucinação é a
grande pergunta do poeta: se eu imagino, por que não existe?
Não existindo um limite certo
entre a loucura e a sanidade, eu me permito dizer que poesia é droga real,
formada de imagens, das quais todo homem é o mais ingênuo refém. Portanto o
mundo é imaginação, jogo de imagens, já que este se faz de homens.