ranzinza

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sexta-feira, 23 de maio de 2014

Transeuntes eternos da tempestade

Agora eu entendo, depois de todo o deserto de chuva da adolescência, que vivemos num mundo barulhento - barulhento mesmo: carros, ônibus, gritos, tiros, batidas, corrosões, torções, quedas, etc. - e aí está a parcela histérica da nossa alma, por isso "Riders on the storm" sempre ofereceu  um diálogo profundo e íntimo com  esse eu louco, afinal não lembro de música mais suave que esta.

O contraste que complementa a suavidade sonora da música, e arrepia, está no fato de vivermos tão mergulhados num mundo de hipocrisia que quando se canta "Girl you gotta love your man, his world on you depends, our life will never end" a verdade impressiona.

É isso! Inserido em tanta angústia de uma sociedade de pecado, perceber tão suavemente que nunca morreremos, sempre me libertou.

O pecado é invenção dos brancos pobres opressores. O maior pecado, aliás, foi ensinar aos índios o que é pecado. Eles sempre foram livres na sua nudez, eternos nas suas liberdades e eternos no seu convívio com a terra, que é vida e que é morte.

Os indígenas deixaram a partir dos seus princípios - espíritos -, pra quem não sabe, como fruto essa música. E me libertaram cedo: a vida é tempestuosa, os medos são invenções e o transito não cessa.



terça-feira, 6 de maio de 2014

Justificando a primeira escolha na tradução das didascálias.



A primeira escolha que tive que fazer ao traduzir a didascália que está no post logo abaixo, estava, obviamente, no título. Mas depois de breve pesquisa percebi que didascália em inglês era didascalia mesmo, e caption era meio que outra coisa. Portanto essa não era daquelas escolhas que fazem a gente se orgulhar e tomar nota.

Traduzindo as três didascálias do César Eduardo Carrión eu encarei vários destes obstáculos intransponíveis da tradução, e o primeiro estava logo no primeiro verso, que era aparentemente muito simples à tradução: ¿Dónde fuiste a buscar las palabras cuando eras un niño?” Em português a tarefa é ideal, tendo em vista a proximidade original das duas línguas. Agora, reverter esse “foste buscar as palavras...” para o inglês me incomodou. A princípio escolhi Where did you search the words ... tendo em mente a ideia de que como se tratava de palavras, um termo em inglês relacionado às pesquisas – search - era o ideal, e passei batido aos versos seguintes.

Como método eu estava ruminando o todo da poesia, após escrever o seu bruto em inglês, e percebi que search era muito teórico e anulava algum tipo de conceito prático, geográfico, físico, ativo, que existe na poesia, que trás versos que constroem imagens muito aquém da ideia de ir buscar palavras apenas teoricamente - semear uma horta e um jardim, ter uma casa derrubada, comprar preservativos, aspirinas e brindar memórias - houve deslocamento, trabalho e ação na busca dessas palavras no tempo da infância. Portanto esse Where did you search for the words when you were a child? ... Não era fiel a ¿Dónde fuiste a buscar las palabras cuando eras un niño?” 

O sujeito foi mesmo buscar as palavras, não apenas as pesquisou – eis a questão. Talvez as tenha ido buscar lá na infância e as esteja brindando agora. E essa interpretação – sim, interpretação é o pulso da tradução - me levou a hunt, mas esse termo parece um pouco sólido demais para a ideia de “ir buscar as palavras”, como um oposto extremado de search.   

“Look for”?  procurar meio preguiçosamente, meio que apenas olhando? No way.

Cheguei enfim a seek. Que oferece uma imagética de busca e apreensão e perseguição aos leitores english speakers. E apesar de todos os pesares de se traduzir, seek me pareceu o menos pior nesse esbugalhamento que é levar de um mundo ao outro algo tão sutil. Hoje do Ecuador às línguas inglesas.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Primera didascalia - César Eduardo Carrión

[o original]

¿Dónde fuiste a buscar las palabras cuando eras un niño?
Ignorabas los sonidos que la abuela medio loca recitaba en la ventana,
mirando el jardín y la huerta que habías ayudado a sembrar.
Era un cielo tumultuoso aquella tarde en que pudiste violentar la cerradura.
De un bocado tragaste la flor de los sueños sangrientos.
El veneno no cedió ni con melaza que te dieron de beber.
¡Maldito antídoto!
Pero tu vómito corrió los picaportes del dilema:
Balbuceabas.

Las palabras no han llegado todavía. En verdad, nunca han venido:
Has tenido que arrancarlas de raíz.
La hierba mala en infusión no llegaría a ser más dulce y adictiva.

Han derruido aquella casa de tu infancia.
En su lugar han construido una botica
y una cantina. En la primera has comprado
aspirinas y condones muchas veces.
Pero ahora amaneciste decidido:
Esta noche brindarás por las canciones que escuchabas en la cuna.


minha tradução:

First didascalia

Where did you seek the words when you were a child?
You used to ignore the sounds that the kind of crazy grandmother recited at the window,
looking to the garden and the yard that you helped to grow.    
It was a tumultuous sky that afternoon that  you could violate the lock.
With just a snap you gulped the flower of the bloody dreams.
The poison didn’t give up even with the treacle that they gave you to drink.
Damned antidote!
But your vomit ran through the handles of the dilemma:
babbling.

The words still hadn’t come. Actually, they never came:
You’ve had to uproot them. 
The weed in infusion wouldn’t become sweeter and more addictive.
  
They’ve knocked down that house of your childhood.
In its place they’ve built a drugstore
and a canteen. In the first you’ve bought
aspirins and condoms many times.
But now you’ve dawned decided:
Tonight you’ll be toasting for the songs that you used to listen in the crib.