“A rotina, os rituais, as repetições e os esquemas táticos dos treinadores são tentativas sem êxito de controlar as sombras do imponderável, do que não tem regras nem nunca terá, como disse a belíssima música de Chico Buarque.
O imponderável é também determinante em nossas vidas. Temos a ilusão de que podemos programar e racionalizar tudo e, de repente, somos surpreendidos pelo imponderável. ‘A vida dá muitas voltas; a vida nem é da gente’ (João Guimarães Rosa).” - Tostão.
O
futebol é o olhar do homem que existe. O homem que com um olho cuida a bola e o
outro conversa com o que uns chamam de consciência, outros de alma.
O
futebol é a poesia que todo homem simples precisa. Todos os homens são simples.
Quem sabe até deus tenha sido simples, pra fazer do mundo uma bola. E caso deus
não exista, o universo, ou o que quer que tenha formado os planetas, é simples,
por tê-los feito todos bolas. Nada é mais concreto, sólido e simples, do que
uma bola, e nada é mais humano do que um pé, duas coisas que juntas formam o inexplicável
“FUTEBOL”, “FOOTBALL”, “FUSSBALL”, etc. Esporte em que as suas dezessete regras
básicas ficam muito - mas muito! - aquém de conseguirem definir.
Futebol
é o motivo que temos para explodirmos os animais que vivem encarcerados em nós
por tantas regras e tem como fim o gozo ou o choro, que são os
privilégios incompráveis da vida. Mesmo que tantas propagandas cerceiem este
esporte, devemos lembrar que as bíblias, os templos budistas e o alcorão
também lidam com ouro.
O
futebol é uma conversa profunda, íntima e sozinha. Afinal, a nossa real condição
é de solidão. O futebol move montanhas, e não é o futebol que precisa do
mundo, mas o mundo que precisa do futebol, uma vez que as montadoras de carros,
e outras fábricas no estado de São Paulo, tem queda de produtividade nas
semanas em que o Corinthians perde, e alta produtividade nas semanas que
começam com um domingo corinthiano vitorioso.
É
o futebol que move e desenha o mundo e nos faz, calejados de trabalho, pensar a
vida em silêncio, com um olho no gato e outro no peixe. Já que a vida sem a
tristeza e a felicidade juntas não é nada.
É
possível que estejamos acostumados demais com as novelas das 6h, 7h, 9h, etc.,
onde os finais são repetitivamente felizes, e não estejamos atentos à
verdade que o futebol vive denunciando para a gente: a vida é fatal, derradeira
e injusta. Estamos à mercê de deuses moleques que jogam dados. São capazes de
coisas lindas, mas vivem queimando formiguinhas com suas lupas.
Nem
sempre o time mais preparado, mais hegemônico, dono do campo e da bola, vai
vencer. Aliás, é possível que esse time seja duramente nocauteado, simplesmente
porque além de o espaço entre o céu e a terra continuar recheado de mistérios, a alma também é misteriosa.
É
nos mistérios que reside a beleza, portanto o futebol é lindo e nos mostra o quão boba é a
ciência e multifacetado é deus.