ranzinza

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terça-feira, 25 de novembro de 2014

AS AUSÊNCIAS




Ele matou ela pra poder se matar em paz. Não há mistério nisso. As coisas são como são.

O mistério está no giroflex. O mistério está no camburão do carro do IML sendo preenchido com os cadáveres. O mistério está, na verdade, em cada espectador que precisa ser igualmente preenchido, com mistério.

Ela queria a separação.

Equivalente à verdade do espectador ou o camburão antes de receber as bandejas com os cadáveres, a depressão também é a doença do esvaziamento, o suicídio é uma espécie de casamento nesse caso, uma retirada. O suicidassassino sofria da depressão por conta da sua mulher, que acabou morrendo junto com ele, então ela é uma suicida de alguma forma.

Se você acha idiota morrer por amor leia este trecho: é como se ela tivesse jogado ele na piscina e eles tivessem morrido de pneumonia, ela por contágio da doença dele.

Se você acha casual morrer por amor: é como se tivessem morrido por conta da AIDS.

No Banheiro, ele deu um tiro na testa dela e outro na própria boca.

Por que a polícia deixa os giroflex ligados quando os corpos já foram levados e os curiosos permanecem no local? Para dar a carniça às hienas, claro.

O policial desligou o giroflex, saiu do quintal de ré, manobrou no meio da rua e foi embora. As dezenas de pessoas se dispersaram em sincronia. Alguém trancou a porta da frente da casa e se perdeu na esquina.

A casa permaneceu, com as luzes apagadas.

A Ausência é a verdade, toda presença é passageira.  

Nas cidades pequenas há muita confiança entre as pessoas, e na manhã seguinte o pintor desavisado foi para pintar o portãozinho da casa, não encontrou ninguém mas fez o serviço mesmo assim, crendo que passaria qualquer outro dia para receber o dinheiro. Era um senhor calmo, pintou daquele “azul bem clarinho que lembra o mar”, como ela mesmo havia dito pra ele que queria a cor no dia anterior. 

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Houve certa vez um deus



Herança da química original
Uma vez existiu um deus
Cabeçudo e capcioso
Com um machadinho em cada mão
Assassinava, assassinava
Um por um seus inimigos
Parecia o cão.

Reescreveu a historia
Se fez único e central
Gozou no universo
Logrou os caixas de todos os núcleos de tempo e espaço inalcançáveis por nós – diga-se de passagem: restos miseráveis
Apertou a corda da capa no pescoço
E engatinhou à perfeição
Sem culpa, sem cor, sem matéria
Sem a porra de um animal de estimação
Houve uma vez um deus – lugar comum chamá-lo de menino brincalhão
Não era deus de ninguém porque não era
Só se concebia
Quando sequer o granito existia.

Praias inexplicavelmente lindas tinhas ondas já quebrantes antes mesmo da ideia de homem soprar no mundo
Mas esse deus já fazia buracos e cortava, cortava todas as concepções
Com a aspereza de ser absoluto
Nítido
Livre
Selvagem
Verdade
Pureza
Vida

Houve certa vez um deus
Anterior ao aramaico
Indefinível em qualquer idioma

Qualquer poesia


segunda-feira, 29 de setembro de 2014

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Judas


Eu costumo levantar cedinho nos sábados e ir correr na pista de atletismo na saída da cidade, algumas vezes faço isso nas sextas à noite também. Gosto de estar sozinho naquele enorme espaço aberto enquanto corro, e raramente há alguém lá nestes horários.

As ruas estavam completamente molhadas e haviam poças no meio dos terrenos e construções inacabadas naquela manhã. Ao chegar na pista, ao sair do carro, vi um filhote branco de pitbull amarrado à tela que cerca o local. Ele estava ensopado, em pé na grama molhada e suas pernas tremiam, parecia exausto e em intervalos simétricos de cinco segundos, com o olhar perdido, dava um latido rouco que ecoava por todo o lugar. Imaginei que ele tivesse sido esquecido ali na noite anterior, e como carrego um certo trauma de cachorros desde a infância, passei reto e receoso ao lado deste e entrei no portão de acesso à pista.

O trajeto tem oito raias e um total de 400 metros, no meio do circuito há um enorme gramado com duas traves móveis de futebol, amarelas e sem redes. No outro extremo da entrada ficam as armações de ferro e bancos de concreto destinados aos alongamentos. Como sempre, naquela manhã eu caminhei esta meia volta, do portão aos ferros, em total silencio, olhando para os meus tênis, a cidade longe, as árvores, os morros e o céu, como se estivesse tentando sentir o que este sábado tinha a oferecer.

Eu ouvia as latidas pausadas miseráveis do pitbull enquanto caminhava, percebi que ia me afastando delas, mas mesmo do outro lado, nos ferros, ainda daria para escutá-los e aquela rouquidão abandonada e triste me acompanharia ritmada a manhã inteira. Eu buscava o transe que toma conta do corpo e dos pensamentos quando se corre em silêncio e sozinho, mas isso é coisa muito delicada e qualquer detalhe me tomava de assalto, naquela manhã seria a situação do cão e a melodia do seu latido.

Mas ao chegar nos ferros vi alguém caído. Era um rosto muito familiar embora de alguém que eu não lembrava, não conhecia, tive um tipo de vertigem dentro do peito... fiquei confuso; também porque levei um breve susto, pensei que o sujeito pudesse estar bêbado e dormindo mas intuitivamente percebi que não era o caso – agora percebo os detalhes que li irracionalmente: ele estava caído de forma que chovia no seu rosto, o que o faria acordar caso estivesse bêbado, pois senti que estava ali há muitas horas devido ao quanto estava molhado, branco e com os olhos fundos; por fim ele estava de shorts de corrida, meias brancas e tênis da olímpicos -, percebi portanto que se tratava de um cadáver da noite anterior, e como tudo o que eu não precisava na minha vida naqueles dias, que seguiam o fim do meu casamento de nove anos, era envolvimento com um cadáver, com um crime, com o que quer que seja ... dei meia volta logo que me deparei com a cena, caminhei os mesmos duzentos metros no sentido contrário e um pouco mais rápido do que antes, dei uma olhada rápida no cachorro até ele dar a próxima latida, entrei no meu carro e saí dali.

De acordo com o laudo a polícia foi chamada para o local às dez e quinze da manhã, ao vasculhar o entorno encontraram uma garrafa de água junto com o celular e a chave da casa do sujeito em um canto próximo ao corpo. A ultima ligação feita daquele aparelho era para uma mulher chamada Giovana, que deu o endereço do apartamento do indivíduo e disse que seu nome era Pedro. No apartamento havia um revolver calibre 38 registrado em seu nome, além de evidencias que alguém esteve ali em menos de vinte e quatro horas: louça úmida no escorredor, um par de botas com barro semi-molhado frente à porta e do lado de uma mesinha branca onde haviam cigarros, relaxantes musculares, cartelas de paracetamol, omeprazol e benegrip, além da pequena chave do cadeado da bicicleta que estava no estacionamento, com a graxa da correia ainda úmida, e uma lista de compras onde estavam listados carne, cerveja, molho, cebolas, pasta de dente e camisinha. Também haviam indícios que o pitbull pertencia ao indivíduo: ração e jornais pelos cantos.

Fotos de vários ângulos dos cômodos do apartamento, fotos da bicicleta, da lista de compras, e a própria lista de compras estão nos laudos, onde está escrito também que às 11h40 da manhã foi encontrado pulso no indivíduo que teve que ser encaminhado à UTI, onde permaneceu do dia 08/08 ao dia 14/08.

Hoje é dia 16/08, o que quer dizer que há dois dias estou no quarto do hospital, com o braço direito paralisado, sendo sedado regularmente. Eu não lembro de nada. O médico está sentado aqui do meu lado, e me entregou o laudo com as descrições dos fatos e as imagens da casa como tentativa de recobrir minha memória. Ele me disse ao entregar o laudo que sofri a descarga elétrica de um raio na sexta a noite, quando fazia alongamentos nos ferros da pista de atletismo, que é um lugar propicio à situação por ser um lugar aberto além de ter as tais barras.

Mas eu não lembro de mim. Não sei quem sou nem onde estou ou pra onde vou. Tudo o que lembro eu vos disse.

Alias, há menos de um minuto uma mulher maravilhosa entrou pela porta, com o cabelo negro parcialmente preso em cima, e a franja para baixo, com o rosto de uma harmonia exuberante que me causou uma vertigem forte na alma quando a vi, como se dentro de mim houvesse raízes profundas onde fluxos contínuos de calor nascessem. Ela me viu, começou a chorar e me abraçou, e eu estou agora aqui com o queixo em seus ombros, vendo o sol entrar pela janela e ser fatiado pela persiana entreaberta.

A única coisa que eu sei é que a amo, e aliás, acho que o filhote de pitbull eu havia adotado dois dias antes e o chamaria de Judas. 


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Ah, o futebol!


“A rotina, os rituais, as repetições e os esquemas táticos dos treinadores são tentativas sem êxito de controlar as sombras do imponderável, do que não tem regras nem nunca terá, como disse a belíssima música de Chico Buarque.

O imponderável é também determinante em nossas vidas. Temos a ilusão de que podemos programar e racionalizar tudo e, de repente, somos surpreendidos pelo imponderável. ‘A vida dá muitas voltas; a vida nem é da gente’ (João Guimarães Rosa).” - Tostão.

O futebol é o olhar do homem que existe. O homem que com um olho cuida a bola e o outro conversa com o que uns chamam de consciência, outros de alma.

O futebol é a poesia que todo homem simples precisa. Todos os homens são simples. Quem sabe até deus tenha sido simples, pra fazer do mundo uma bola. E caso deus não exista, o universo, ou o que quer que tenha formado os planetas, é simples, por tê-los feito todos bolas. Nada é mais concreto, sólido e simples, do que uma bola, e nada é mais humano do que um pé, duas coisas que juntas formam o inexplicável “FUTEBOL”, “FOOTBALL”, “FUSSBALL”, etc. Esporte em que as suas dezessete regras básicas ficam muito - mas muito! - aquém de conseguirem definir.

Futebol é o motivo que temos para explodirmos os animais que vivem encarcerados em nós por tantas regras e tem como fim o gozo ou o choro, que são os privilégios incompráveis da vida. Mesmo que tantas propagandas cerceiem este esporte, devemos lembrar que as bíblias, os templos budistas e o alcorão também lidam com ouro.

O futebol é uma conversa profunda, íntima e sozinha. Afinal, a nossa real condição é de solidão. O futebol move montanhas, e não é o futebol que precisa do mundo, mas o mundo que precisa do futebol, uma vez que as montadoras de carros, e outras fábricas no estado de São Paulo, tem queda de produtividade nas semanas em que o Corinthians perde, e alta produtividade nas semanas que começam com um domingo corinthiano vitorioso.

É o futebol que move e desenha o mundo e nos faz, calejados de trabalho, pensar a vida em silêncio, com um olho no gato e outro no peixe. Já que a vida sem a tristeza e a felicidade juntas não é nada.

É possível que estejamos acostumados demais com as novelas das 6h, 7h, 9h, etc., onde os finais são repetitivamente felizes, e não estejamos atentos à verdade que o futebol vive denunciando para a gente: a vida é fatal, derradeira e injusta. Estamos à mercê de deuses moleques que jogam dados. São capazes de coisas lindas, mas vivem queimando formiguinhas com suas lupas.

Nem sempre o time mais preparado, mais hegemônico, dono do campo e da bola, vai vencer. Aliás, é possível que esse time seja duramente nocauteado, simplesmente porque além de o espaço entre o céu e a terra continuar recheado de mistérios, a alma também é misteriosa. 

É nos mistérios que reside a beleza, portanto o futebol  é lindo e nos mostra o quão boba é a ciência e multifacetado é deus.    

segunda-feira, 16 de junho de 2014



’Estava calor aquela tarde e o vizinho da frente escutava aquela música chamada “My girl”, quando eu abri a porta do meu apartamento e dei de cara com a minha mãe morta. Caída no carpete da sala toda vomitada. Não, não era 1950, Eu sei que vocês tem a imaginação coletiva cinematográfica seus idiotas, era 2017.’ Era o trecho que estava grifado, bem na página que ele abriu aleatoriamente, do livro que ele escolheu também aleatoriamente, na estante da biblioteca pública naquela tarde tediosa. Fechou o livro no mesmo instante e fez o empréstimo para quinze dias.” A gente gosta de ler, na verdade, coisas que lêem a gente. Essas coisas – bons livros, boas músicas, boas pessoas – tornam a gente especial e nos ajudam a lidar com a nossa própria desgraça.  

domingo, 8 de junho de 2014

Tudo neurótico



Neurose é ficar defendendo uma ideia singular demais que já foi vencida, pelo ambiente, pelo tempo, ou pelas pessoas ao redor. Como achar que todos devem se vestir como se vestia há cinquenta anos porque é mais bonito; como achar que tal quadro é melhor para tal parede, sem cogitar a possibilidade de qualquer outro quadro ali, mesmo que todos digam o contrário; como dizer que homossexualidade pode ser curada; ficar brabo com o garçom porque foi pedido suco de laranja e veio de maracujá; ler a manchete da notícia que o aborto foi legalizado, sem saber como, quando, porquê e onde, e sair praguejando contra o mundo. Trocando em miúdos, neurose é não admitir uma postura diferente da sua. E em outro contexto, neurose é culpar exclusivamente o governo pela vida em que não se está feliz em viver. Achar que levantar cansado na segunda-feira e ter que ir trabalhar é culpa da copa, ou do PT.

E como vejo tanto isso por aí, cheguei à conclusão que estão todos neuróticos.

O problema não é a copa, talvez seja o fato de percebermos que temos como fazer copa, - temos como fazer duas copas!-, e não temos escolas?! Quanto milho jogado para os neuróticos aí nué? O problema é percebermos que não foi do interesse do governo, até então, fazer escolas, mesmo tendo condições. Mas isso não era segredo pra muita gente, e isso já há dois séculos.

Ofereço então duas vertigens aos neuróticos, que são em geral des(mal)informados:
1ª - A grana dos estádios, que compete ao governo, é equivalente, dizem por aí, à grana do mensalão PSDB'ista que não foi para investigação.

2ª - Se produz no mundo dez vezes mais ração para animal, do que comida para ser humano, mesmo com uma fração significativa da gente passando fome, e, pasmem!, o responsável pela vida do McDonalds é você, não o PT.

(Neurose é desqualificar meu texto por achar que minha pontuação está errada, e [2º] me odiar por votar na Dilma)

Neurose então é culpar o PT, a Dilma, o Neymar, o Ronaldo Gordo, o Pelé, o frei, eu, etc., pelo peso das vidas que nós mesmos não fizemos suaves. A nossa felicidade é coisa singular demais, e o governo não a alcança.

No fim, talvez o neurótico seja eu que pensa que está todo mundo neurótico, mas é que estou aqui tomando meu drink sozinho porque todos os meus conhecidos estão tomando prozac e não podem beber.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Transeuntes eternos da tempestade

Agora eu entendo, depois de todo o deserto de chuva da adolescência, que vivemos num mundo barulhento - barulhento mesmo: carros, ônibus, gritos, tiros, batidas, corrosões, torções, quedas, etc. - e aí está a parcela histérica da nossa alma, por isso "Riders on the storm" sempre ofereceu  um diálogo profundo e íntimo com  esse eu louco, afinal não lembro de música mais suave que esta.

O contraste que complementa a suavidade sonora da música, e arrepia, está no fato de vivermos tão mergulhados num mundo de hipocrisia que quando se canta "Girl you gotta love your man, his world on you depends, our life will never end" a verdade impressiona.

É isso! Inserido em tanta angústia de uma sociedade de pecado, perceber tão suavemente que nunca morreremos, sempre me libertou.

O pecado é invenção dos brancos pobres opressores. O maior pecado, aliás, foi ensinar aos índios o que é pecado. Eles sempre foram livres na sua nudez, eternos nas suas liberdades e eternos no seu convívio com a terra, que é vida e que é morte.

Os indígenas deixaram a partir dos seus princípios - espíritos -, pra quem não sabe, como fruto essa música. E me libertaram cedo: a vida é tempestuosa, os medos são invenções e o transito não cessa.



terça-feira, 6 de maio de 2014

Justificando a primeira escolha na tradução das didascálias.



A primeira escolha que tive que fazer ao traduzir a didascália que está no post logo abaixo, estava, obviamente, no título. Mas depois de breve pesquisa percebi que didascália em inglês era didascalia mesmo, e caption era meio que outra coisa. Portanto essa não era daquelas escolhas que fazem a gente se orgulhar e tomar nota.

Traduzindo as três didascálias do César Eduardo Carrión eu encarei vários destes obstáculos intransponíveis da tradução, e o primeiro estava logo no primeiro verso, que era aparentemente muito simples à tradução: ¿Dónde fuiste a buscar las palabras cuando eras un niño?” Em português a tarefa é ideal, tendo em vista a proximidade original das duas línguas. Agora, reverter esse “foste buscar as palavras...” para o inglês me incomodou. A princípio escolhi Where did you search the words ... tendo em mente a ideia de que como se tratava de palavras, um termo em inglês relacionado às pesquisas – search - era o ideal, e passei batido aos versos seguintes.

Como método eu estava ruminando o todo da poesia, após escrever o seu bruto em inglês, e percebi que search era muito teórico e anulava algum tipo de conceito prático, geográfico, físico, ativo, que existe na poesia, que trás versos que constroem imagens muito aquém da ideia de ir buscar palavras apenas teoricamente - semear uma horta e um jardim, ter uma casa derrubada, comprar preservativos, aspirinas e brindar memórias - houve deslocamento, trabalho e ação na busca dessas palavras no tempo da infância. Portanto esse Where did you search for the words when you were a child? ... Não era fiel a ¿Dónde fuiste a buscar las palabras cuando eras un niño?” 

O sujeito foi mesmo buscar as palavras, não apenas as pesquisou – eis a questão. Talvez as tenha ido buscar lá na infância e as esteja brindando agora. E essa interpretação – sim, interpretação é o pulso da tradução - me levou a hunt, mas esse termo parece um pouco sólido demais para a ideia de “ir buscar as palavras”, como um oposto extremado de search.   

“Look for”?  procurar meio preguiçosamente, meio que apenas olhando? No way.

Cheguei enfim a seek. Que oferece uma imagética de busca e apreensão e perseguição aos leitores english speakers. E apesar de todos os pesares de se traduzir, seek me pareceu o menos pior nesse esbugalhamento que é levar de um mundo ao outro algo tão sutil. Hoje do Ecuador às línguas inglesas.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Primera didascalia - César Eduardo Carrión

[o original]

¿Dónde fuiste a buscar las palabras cuando eras un niño?
Ignorabas los sonidos que la abuela medio loca recitaba en la ventana,
mirando el jardín y la huerta que habías ayudado a sembrar.
Era un cielo tumultuoso aquella tarde en que pudiste violentar la cerradura.
De un bocado tragaste la flor de los sueños sangrientos.
El veneno no cedió ni con melaza que te dieron de beber.
¡Maldito antídoto!
Pero tu vómito corrió los picaportes del dilema:
Balbuceabas.

Las palabras no han llegado todavía. En verdad, nunca han venido:
Has tenido que arrancarlas de raíz.
La hierba mala en infusión no llegaría a ser más dulce y adictiva.

Han derruido aquella casa de tu infancia.
En su lugar han construido una botica
y una cantina. En la primera has comprado
aspirinas y condones muchas veces.
Pero ahora amaneciste decidido:
Esta noche brindarás por las canciones que escuchabas en la cuna.


minha tradução:

First didascalia

Where did you seek the words when you were a child?
You used to ignore the sounds that the kind of crazy grandmother recited at the window,
looking to the garden and the yard that you helped to grow.    
It was a tumultuous sky that afternoon that  you could violate the lock.
With just a snap you gulped the flower of the bloody dreams.
The poison didn’t give up even with the treacle that they gave you to drink.
Damned antidote!
But your vomit ran through the handles of the dilemma:
babbling.

The words still hadn’t come. Actually, they never came:
You’ve had to uproot them. 
The weed in infusion wouldn’t become sweeter and more addictive.
  
They’ve knocked down that house of your childhood.
In its place they’ve built a drugstore
and a canteen. In the first you’ve bought
aspirins and condoms many times.
But now you’ve dawned decided:
Tonight you’ll be toasting for the songs that you used to listen in the crib. 

segunda-feira, 31 de março de 2014

2 Joyces

"I will not serve that in which I no longer believe, whether it call itself my home, my fatherland or my church: and I will try to express myself in some mode of life or art as freely as I can and as wholly as I can, using for my defence the only arms I allow myself to use -- silence, exile, and cunning."
-from A PORTRAIT OF THE ARTIST AS A YOUNG MAN


Mais ou menos uma tradução:

"Eu não servirei o que eu não acredito mais, mesmo que isso se chame de minha casa, minha terra pátria ou minha igreja: e eu vou tentar me expressar em algum modo de vida ou arte tão livremente o quanto eu puder e tão completamente o quanto eu puder, usando em minha defesa  as únicas armas que eu mesmo me permitir usar - silêncio, exílio, e astúcia"

Do "RETRATO DO ARTISTA QUANDO JOVEM"  

--
"It is as painful perhaps to be awakened from a vision as to be born." 

"Ser acordado de uma visão talvez seja tão doloroso quanto nascer"  
                  Ulysses



terça-feira, 18 de março de 2014

"Ser um turista massificado, para mim, é se tornar um puro americano contemporâneo: alheio, ignorante, ávido por algo que nunca poderá ter, frustrado de um modo que nunca poderá admitir. É macular, através de pura ontologia, a própria imaculabilidade que se foi experimentar. É se impor sobre lugares que, em todas as formas não econômicas, seriam melhores e mais verdadeiros sem a sua presença. É confrontar, em filas e engarrafamentos, transação após transação, uma dimensão de si mesmo tão inescapável quanto dolorosa: na condição de turista você se torna economicamente significativo mas existencialmente detestável, um inseto sobre uma coisa morta". 

(David Foster Wallace)

segunda-feira, 10 de março de 2014

"Por que laranja se chama laranja e limão não se chama verde?"





Outro dia trombei por aí com a pergunta "se laranja se chama laranja por que o limão não se chama verde?". Me pus a pensar.

Sempre desconfiei que questões linguísticas tendem a colocar ordem no caos, uma vez que o caos é toda ordem que não compreendemos e toda ordem é o caos que dominamos.

(Com o tempo as ordens se transformam e nós perdemos os sentidos básicos da vida - como a origem da palavra 'salário': a partir dela podemos ter esclarecimentos homéricos de economia, política, sociologia e até religião, uma vez que esses temas são tão difusos e ficaram tão rebuscados a ponto de muita gente não saber patavinas a respeito, como se já não houvesse um foco, justamente porque nossa memória coletiva [nossa crença na história] se torna uma espécie de queijo suíço, cheia de falhas, cheia de coisas que não nos disseram e que são básicas, nos faltam para entender o mundo como está neste instante. Por isso buscar algumas etimologias é sempre enriquecedor por ser esclarecedor.)

O fato é que pensando a respeito da pergunta, eu tive uma epifania, acabei conectando pontos dentro das minhas ideias e mais uma vez na vida aprendi, criei(?), uma coisa sozinho. O Posto levava o nome do André Abujamra, como autor da pergunta, acho ele extravagante e então comentei:

 'Porque a cor na verdade se chama 'alaranjado', uma vez que é ela que leva o nome da fruta e não a fruta que leva o nome da cor. Sendo o alaranjado um dos tons da cor vermelha, ela precisa de um objeto universal de referencia, que nesse caso é a laranja. Como o cor-de-rosa, que é também um tom de vermelho e tem a flor como referencia. Curioso é que em alguma língua africana - não me recordo qual - não existem referencias para algumas variações de cor, por isso o amarelo, o alaranjado e o vermelho, são representados pela mesma palavra. Já o limão não é referência para o verde, que é uma cor primária assim como o vermelho e o azul, por isso tem um nome próprio. Embora, possivelmente, essa não seja a verdadeira pergunta do Abujamra.'

Depois ainda fui descobrir, pesquisando, que 'amarelo' é uma variação do latim amarus, que significa amargo, porque essa era a cor da bílis quando oxidava e diz-se que seu sabor é terrivelmente amargo. Portanto para aquela cor, ficou seu sabor característico.

Amém


sábado, 22 de fevereiro de 2014

O tempo é dinheiro no mundo dos relógios


Os relógios que até hoje levam a marca Quartz, são assim chamados desde 1927, quando os estadunidenses Warren Marrison e J.W. Horton criaram o relógio de quartzo, material que cria um sinal com uma freqüência mais precisa que os relógios mecânicos produzidos até então. Logo a marca se expandiu e a industria dos relógios – despertadores, relógios de pulso e relógios de parede - foi dominada pela marca.  

Como é razoável que aconteça com qualquer marca em ascensão, a Quartz alcançou os principais mercados para além dos Estados Unidos, implantou novas estruturas para produção em vários países estrangeiros, o que a permitiria entrar no comércio destes países de maneira combativa – não precisando arcar com taxas de importação e exportação –, o que permitiu também que houvessem lojas específicas da Quartz em todo lugar, sem a necessidade de recorrer a joalherias independentes para vender seus relógios.

Essa ascensão da Quartz foi explosiva e logo a sua força era tamanha que os acordos mais variados eram possíveis à marca, que se tornou alvo de interesses dos maiores empresários da maioria dos países em que atuava. Contatos com grandes políticos também começaram a acontecer.

Em 1930 o negócio de relógios decaía e a Quartz, na contramão, iniciava seu crescimento por começar a produzir e vender no mercado brasileiro, um dos primeiros mercados de interesse da marca fora da América do norte, que logo foi procurada por Pardal Antunes Mirella, um parlamentar carioca que propôs à marca algo de uma lisura digna do filme “Acabaram-se os Otários”: uma parceria para a implantação do horário de verão.

Pardal Antunes Mirella escreveria o projeto “Horário de verão” para ser votado no senado, sob o pretexto de “economia de energia elétrica e maior aproveitamento do dia na época do verão”, de forma que os relógios fossem adiantados em uma hora na entrada da estação, e ao fim dela tivessem que ser retrocedidos em uma hora.

A peça chave dessa maracutaia é segredo para todos: os relógios mecânicos todos são produzidos para funcionar apenas no sentido horário, o seu sistema delicado de engrenagens, cordas, parafusos e ponteiros, desestrutura-se caso o relógio seja trabalhado no sentido contrário – sentido anti horário -, o que fez que com o fim do horário de verão, sem informação a respeito do funcionamento dos seus relógios, quase toda a população brasileira voltasse o ponteiro dos seus relógios para uma hora atrás e nos dias seguintes seus relógios parassem de funcionar, o que teve como resultado um crescimento de mais de 200% nas vendas da Quartz no Brasil, nos meses seguintes à implantação do horário de verão anualmente. Desses 200% dos lucros da empresa nesta jogada, 40% eram destinados ao saldo bancário de Pardal Antunes Mirella, como parte do acordo.

Isso era meados de 1931 e foi a grande jogada da história da Quartz, que ano após ano lucrava imensamente com o fim do horário de verão, enquanto a concorrência se desfazia, de onde surgiram os lucros que permitiram à marca se expandir para a Europa.

Como nem tudo são confetes no mundo cão liberal, e porcos chafurdam nos diamantes do porão dos clubes de sinuca dos bacanas, o Brasil sofreu seu primeiro golpe de estado em 1937 e o Sr. Pardal acabou assassinado na surdina pela sua oposição, o partido de Getúlio Vargas, partido comunista, e com isso o horário de verão logo deixou de ser adotado, embora durante os anos da Era Vargas ainda tenha acontecido por algumas vezes esporádicas, afinal, havia uma determinada economia na energia elétrica nos meses desse horário alternativo, mas desta vez sem acordo nenhum com empresários.


Depois de todos os tramites históricos que deram fim à ditadura militar no Brasil - e não nos competem neste texto - em 1985, Tancredo Neves foi eleito presidente da nação, porém morreu misteriosamente antes da sua posse, e a presidência ficou com José Sarney, que entre outras medidas, ainda naquele ano, reestabeleceu de maneira concreta o horário de verão, assim beneficiando, a agora consolidada, marca Quartz e conseguindo uma fonte preciosa de renda pessoal, que o permite até hoje ser fotografado em Acapulco. 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Uma ideia perigosa.


Algumas pessoas tem andado por aí um pouco decepcionadas com o mundo conforme as suas noções das coisas vão se transformando, e são submetidas a uma televisão que sensacionaliza as mortes na Ucrânia, a violência na Venezuela e repete incansavelmente termos como "vândalos", "vandalismo", "violência", "destruição e "crime" quando o assunto é os manifestantes brasileiros.

Acho que essas pessoas deveriam entender essas palavras:

"There's no such thing as life without bloodshed. I think the notion that the species can be improved in some way, that everyone could live in harmony, is a really dangerous idea. Those who are afflicted with this notion are the first ones to give up their souls, their freedom. Your desire that it be that way will enslave you and make your life vacuous."

Algo do tipo "Não existe uma coisa tipo vida sem derramamento de sangue. Eu acho que a noção de que as espécies podem de alguma maneira se desenvolver, de que todo mundo poderia viver em harmonia, é uma ideia realmente perigosa. Aqueles que se afligem com essa ideia, são os primeiros a desistir das suas almas, sua liberdade. Seu desejo de que isso seja dessa maneira vai te escravizar e fazer da tua vida uma coisa vaga."

Essa é uma fala de um dos poucos caras que eu admiro no mundo, o escritor Cormac McCarthy, em uma fala para o NY Times, em 1992. Ele é desses caras míticos: velho que nunca aparece.

Me parece mesmo que essa peste humana que é o jornalismo, como um carrapato ou alguma bactéria hospedeira de câncer, continua se sustentando na noção fantasiosa e romântica, que todo ser humano comum têm, de que a vida deve ser de determinada maneira, que existe certo e errado, o bem e o mal, etc. O que constrói esse zum zum zum desgraçado e maniqueísta do nosso cotidiano.

Há ainda outra frase de um livro desse cara para reforçar minha ideia:

"People were always getting ready for tomorrow. I didn’t believe in that. Tomorrow wasn’t getting ready for them. It didn’t even know they were there." 

ou seja:

"As pessoas sempre estiveram se preparando para o amanhã. Eu não acredito nisso. O amanhã não esteve se preparando para elas. Ele sequer sabia que elas estariam lá".

Acho que quando estivermos prontos para o fatal e, assim, destemer o amanhã, a ignorância e as religiões se desmancharão um pouco.