Eu sempre tive uma obsessão pelo Nirvana (outro dia li todo o laudo da utopsia do Kurt que vazou na internet, 63$ no bolso, um isqueiro e o bilhete da delta airlines de cinco dias antes). A guitarra, o baixo a bateria e a voz tudo muito nevral e germinal expressavam e representavam um tipo de angústia que nem eu sabia que carregava na adolescência. Pra quem era de família tradicionalmente conservadora e cheio da culpa católica, sem muita coisa na vida, era gostoso possuir essa música afrontosa contracultural. Ela falava por mim coisas que nem eu sabia que queria dizer, eu que era orelhudo e bocudo e tinha o apelido de macaco me sentia bonito e interessante com ela.
Mas isso é porque eu era triste, uma criança triste, assustada com a morte do pai e a doença, luta e desespero da mãe, ao mesmo tempo cheio de saudades e deslocado (de Curitiba para Ampére), eu não gostava da minha vida. E o Nirvana representava outra vida, outro mundo, outra realidade, outra voz, outro código. Minha vontade de viver ficou canalizada nessa obsessão pela banda, comecei a projetar a minha vida em Seattle, Aberdeen, no começo dos anos 1990. As fotos nas revistas eram hiper analisadas, as letras traduzidas palavra por palavra do dicionário e interpretadas a revelia, as histórias eram fabuladas, os vídeos eram repetidos à exaustão, as músicas...vish, esse outro lugar se tornou quase uma realidade.
Mas eu fui me tornando mais complexo. Outras pessoas e outros lugares começaram a se tornar mais interessantes, Nova Iorque, Londres, Berlim, Tóquio, URSS. E fui me tornando ainda mais complexo e Cuba se tornou um sonho (que eu realizei), Rio de Janeiro (recente) Marrakesh, Casablanca, Buenos Aires, Medellin, Montevidéu, a arquitetura, o urbanismo, a política, a psicologia, a psicanálise, e o que hoje eu considero a coisa mais sofisticada é a arte, especialmente a literatura e a pintura. Porque nessa necessidade de viver outra vida, ser outra pessoa, essas parecem as formas mais absolutamente possíveis de comunicação, aquela comunicação que você penetra no outro se esse outro foi bom o suficiente para te convidar para além da sua superfície. Sinto muito pelo cinema, esse coitado é meio deficiente nesse sentido.
Outro dia fui sozinho numa exposição do Ai wewei aqui no MON e eu não sei se eu sabia o que pensar ou sentir daquelas coisas, mas me senti bem com o estranhamento, o desconhecimento. Porque depois de tanto tempo tentando ser outra coisa, que não essa coisa desagradável, se tornou confortável o estranhamento, e atualmente acho que a melhor arte pra mim é essa que eu fico confuso. É como viajar pra outro planeta: a lógica da organização de vida deles não é a partir de cidades, ruas e ceps, seria a sensação de estranhamento mais visceral, a outra vida mais literal. O contrário disso é viajar pra Paris: não quero, deve ser caro e chato e óbvio. Acho que nesse momento eu quero a beleza e acolhimento do Rio e um livro interessante. Como diz o Joyce né o caminho mais longo é o caminho mais curto pra casa.
Estou escutando PJ Harvey. Sempre gostei dela mas nunca escutei o suficiente. Outro dia li uma história de que o Kurt queria muito que ela fosse em turnê com o Nirvana, mas estava com vergonha e medo e ansioso de pedir isso pra ela porque ele gostava muito dela, até que em certo momento, num backstage, ele pediu e ela muito educadamente recusou. Isso teria sido em 1993, quando ela estava na turnê do Rid of me.
PS: eu não ando mais querendo ser outra coisa, foi difícil, talvez a luta da minha vida seja isso mesmo, olhar para os meus traumas, entender meus desvios, minhas propriedades, aceitar a morte (minha e dos meus) e lutar metodologicamente contra a pobreza e a ignorância.
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