ranzinza

ranzinza

terça-feira, 25 de novembro de 2014

AS AUSÊNCIAS




Ele matou ela pra poder se matar em paz. Não há mistério nisso. As coisas são como são.

O mistério está no giroflex. O mistério está no camburão do carro do IML sendo preenchido com os cadáveres. O mistério está, na verdade, em cada espectador que precisa ser igualmente preenchido, com mistério.

Ela queria a separação.

Equivalente à verdade do espectador ou o camburão antes de receber as bandejas com os cadáveres, a depressão também é a doença do esvaziamento, o suicídio é uma espécie de casamento nesse caso, uma retirada. O suicidassassino sofria da depressão por conta da sua mulher, que acabou morrendo junto com ele, então ela é uma suicida de alguma forma.

Se você acha idiota morrer por amor leia este trecho: é como se ela tivesse jogado ele na piscina e eles tivessem morrido de pneumonia, ela por contágio da doença dele.

Se você acha casual morrer por amor: é como se tivessem morrido por conta da AIDS.

No Banheiro, ele deu um tiro na testa dela e outro na própria boca.

Por que a polícia deixa os giroflex ligados quando os corpos já foram levados e os curiosos permanecem no local? Para dar a carniça às hienas, claro.

O policial desligou o giroflex, saiu do quintal de ré, manobrou no meio da rua e foi embora. As dezenas de pessoas se dispersaram em sincronia. Alguém trancou a porta da frente da casa e se perdeu na esquina.

A casa permaneceu, com as luzes apagadas.

A Ausência é a verdade, toda presença é passageira.  

Nas cidades pequenas há muita confiança entre as pessoas, e na manhã seguinte o pintor desavisado foi para pintar o portãozinho da casa, não encontrou ninguém mas fez o serviço mesmo assim, crendo que passaria qualquer outro dia para receber o dinheiro. Era um senhor calmo, pintou daquele “azul bem clarinho que lembra o mar”, como ela mesmo havia dito pra ele que queria a cor no dia anterior.