ranzinza

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sexta-feira, 7 de julho de 2023

CÓDIGOS ÍNTIMOS E MUNDO EMPÍRICO

 Acho que ando cansado, mas não sei se é bem esse o caso. Uma das coisas que Cidades Invisíveis me acomete é pensar a realidade a partir do que é a fantasia, o impacto da fantasia no bruto. Também tenho meditado bastante nos últimos dias. 

Estou pensando que sonhar talvez seja parte do estar acordado. Eu leio, escrevo, penso, medito, vejo vídeos, penso e converso com minha namorada, mas há sempre (ao fundo) uma insatisfação, a qual ao mesmo tempo é o motivo e a consequência dessa imersão nesse mundo do irreal: eu sinto falta de ver as coisas fora da caverna, mas quando as encaro quero voltar para a caverna (busco a linguagem para superar a realidade e me distancio dela, e por me distanciar dela me sinto insatisfeito e volto a busca-la, e quando a vejo quero me distanciar dela). 

Não gosto desse processo, ele está me fazendo sofrer, entretanto, estou encontrando um ponto de aceitação da realidade como processo fenomenológico, um entre-lugar, área cinza, entre meus códigos íntimos e o mundo empírico. Estou gostando de pensar que os sonhos tomam a maior parte do meu tempo acordado, e que eles são inúteis, mas que sem eles não há sentido em nada, nem em levar o garfo à boca.  

quarta-feira, 5 de julho de 2023

Uma concepção do indizível

 Existem tantas coisas no espaço do indizível, é claro, as palavras só fingem dar conta da vida. Além disso, se está no indizível também está no incontável: não se pode ter noção do quanto está fora do nosso alcance da comunicação. Pensei nisso em trecho específico de Cidades Invisíveis em que Khan começa a gesticular menos com Marco Polo e seus gestos são descritos como coisas espirituais apenas. Afinal, não é isso que é um gesto?  Uma efemeridade de algo que não pode ser dito?! Não penso em beijos, danças ou sustos, penso mais no que acontece de espontâneo e ainda não pode ser mapeado por teorias ou arranjos. Penso mais em uma mão que coça a outra, a ansiedade dos pares de olhos, os tiques da cabeça.

Não sei se gosto de chamar essas expressões do indizível de espiritualidade. Porque não acredito em Deus. Não acredito em espírito. Não quero jogar esse meu raciocínio no banal de termos como deus, amor, espírito. 

Essa concepção do indizível, então, não vem a termo, e se viesse não seria mais indizível, por isso nem quero que venha, mas quero escrever sobre isso. Saber que há mundo além do horizonte da língua me faz ver a vida de um jeito mais interessante, me dá um pouco de sabor. Eu, melhor amigo do suicídio, gosto desse silêncio verdadeiro que coexiste à vida barulhenta. 

Sim, é disso que eu gosto no fim das contas, do abstrato estranho, da função irracional (não o selvagem, mas o irracional inteligente, a intuição com propósito), da saga sem moral, da contemplação sem o excesso. Gosto da elegância, não a elegância com preço alto ou a valorização da pobreza, gosto da elegância da sinceridade, que pode ser encontrada numa pessoa de pé no ônibus, o jeito de ela olhar para fora. Eu gosto disso, que é um pouco o resultado da coragem de morrer e colocar isso na ponta dos dedos todo dia.     

segunda-feira, 3 de julho de 2023

CIDADES INVISÍVEIS

Ontem (domingo) a noite, corri 10km em 54'

Nem todo dia faz sol (é óbvio), e eu preciso lidar melhor com isso, tenho ficado bastante desmotivado quando está nublado. 

A chave é não projetar um dia perfeito, mas focar no que deve ser feito. Acho que percebi isso durante uma meditação meio espontânea que fiz outro dia na academia depois de um momento de exaustão: preciso aceitar mais a vida como um processo, um grande meio, o desenvolvimento por si só, não como um fim. Quem sabe com isso eu tenha menos dificuldades para tomar decisões. Com essa visão de que as pequenas coisas não são definitivas, quem sabe eu não sinta tanta derrota caso o dia não esteja ensolarado. 

Hoje é um desses dias. Hoje também é um dia em que sai o resultado do processo seletivo da UTFPR a que me submeti no mês passado, ao qual fui o único candidato inscrito, o que me coloca com uma muito provável aprovação (estou atualizando a página do site constantemente). Hoje também é o primeiro dia de uma semana em que não tenho que estudar para nenhuma prova específica e também não tenho matérias do doutorado para ler, portanto é um dia que resolvi ficar calmo, é um novo dia, um dia para novos dias. 

Embora eu tenha que ler algumas coisas para terminar o trabalho que vou escrever para a disciplina do doutorado*, resolvi baixar o Cidades Invisíveis do Ítalo Calvino para ler, quero fazer uma leitura de prazer sem ter obrigação (embora eu quisesse mesmo era ler o Primeira Pessoa do singular, novo livro de contos do Murakami). 

Então resolvi escrever para registrar que estou bem, não quero retomar esse espaço de registro apenas nos momentos de angústia. Hoje é um bom dia, apesar de coisas que me perturbam** hoje ainda é um dia que estou querendo viver, sem muita aceleração, com boas quantias de contemplação do espaço, flexibilidade do corpo, curiosidade da cabeça.


* Já escrevi cinco páginas em que analiso, comparativamente, como os personagens de Os Ratos, de Dyonélio Machado, e os personagens de Vidas Secas, relacionam-se e modulam-se, conforme os seus espaços. Utilizo uma linguagem da geografia humanística (Milton Santos e Anne Buttimer) para conceituar espaço/lugar e casa/lar e racionalizar a formação dos personagens.       

** Esses dias vi um story do meu irmão no whatsapp batendo um bolo com uma batedetira improvisada em uma furadeira, tive saudades dele. Acho que essa saudade ativou um sentimento de solidão de viver em Curitiba, desde então tenho sonhado com amigos e pessoas próximas, e tenho acordado com saudade e solitário.