ranzinza

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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Injetável.


— Jean-Paul Sartre

São as correntes das veias de tudo que perpassam todos os caminhos, todos os cantos, rincões e sonhos. É a realidade por si só que se faz sonho e o sonho em si que se transforma em realidade, os dois com suas formas diferentes de serem ao mesmo tempo tudo e nada, sublimes e pífios, formadores da gente.

É a linha vertical inexistente que divide nosso corpo em duas partes iguais a grande responsável pelo fluxo da “carroça de tudo na estrada de nada”.  A subtração do outro consome o um que restou, ou seja, sem ser corpo não se é alma, não se é sem morrer, tampouco se é deus sem ser um pouco cachorro, e vice versa – bendito seja o inglês na sua conjectura no espelho de god e dog.

Não há religião e ateu que não combinem, pois todo ser humano é o tudo e o nada, inconsoláveis condenados a um universo de consolação, e a linha que divide o tudo absoluto sempre em dois - subtraindo-se todas as suas variações – é fluxo, onde mora deus sem existir e o homem sem saber.

É nesse espaço abstrato e real que os demônios subterrâneos da metáfora inspiram o comportamento violento do cotidiano, e os deuses da iluminação os seus correspondentes homens bons, mas sempre uns relacionados aos outros, um fluxo contínuo de vida em doses materiais e abstratas. Assim toda poesia é injetável e toda droga é eterna, uma vez que deuses e cães estão relacionados, e o que nos resta da experiência é a poesia, a poesia é uma grande injeção de tudo e tudo é um pico certeiro nas veias, as quais convergem todas para o coração que se divide em duas partes iguais, como os lados macho e fêmea em que se divide todo o universo.  A parte isso, o que sobra é um amontoado crescente de coisas e não coisas onde se trepa para alcançar: outro pico.

Toda poesia é injetável e o que não é isso, são meios para isso, como o “rabo pra aquém do lagarto remexidamente”

A picada d’agulha no couro, na veia, é o estralo sonhador epifanico que resulta no fluxo sanguíneo e imaterial onde a escuridão e a luz fazem as pazes.

O suposto equilíbrio de Yin e Yang de que goza o homem que injeta, é o mesmo que desfruta o poeta obcecado ao conseguir o que quer.

Fazer poesia é injetar, buscar sem saber o que, e isso é tudo. O bem, a vida, o fluxo.
Literatura é cultura e faz escolas, já a droga dita o ritmo do homem comum, e um lugar não é senão feito de homens, e a escola não é senão uma coisa humana culturalizadora por meio de injeções de poesia sobre homens de vício.

O perigo de se fazer poesia é sempre o mesmo de injetar-se: ter que responder constantemente a pergunta “para quê?”

Toda poesia é injetável porque não se respondem perguntas quando existir é o que te resta, afinal quem consola é aquele que não existe – deus? Um homem que não fuma? – e o pico da existência é poesia.

Isto não é uma poesia.

O surrealismo da alucinação é a grande pergunta do poeta: se eu imagino, por que não existe?


Não existindo um limite certo entre a loucura e a sanidade, eu me permito dizer que poesia é droga real, formada de imagens, das quais todo homem é o mais ingênuo refém. Portanto o mundo é imaginação, jogo de imagens, já que este se faz de homens.  

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