ranzinza

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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Bilhete á vidente Patobranquense.




(parado na calçada, próximo á entrada da lugar)

Se fossem eficazes tuas previsões, todo meu percurso se desvaleria ao saber do meu fim, e esse que seria o clímax da minha vida se tornaria uma fumacinha óbvia ao fim do fósforo, portanto não adentro ao teu cômodo, pego esses dez reais e compro duas carteiras de cigarro e um chá, antes disso nobremente lhe escrevo esse bilhete.

Att. Diego da Cruz

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O JOGO


Existe um jogo clandestino,
rotineiro que você joga,
o jogo do tom de voz,
que com apertos de mão,
sorrisos falsos, influencia,
reputação e credibilidade,
tudo isso embasado em algum
conhecimento das vertentes históricas e tendências culturais,
te darão créditos em relação aos seus adversários;
quem são seus adversários?
Eu, teu pai, tua mãe, o padre, teus filhos, enfim, qualquer criatura viva, o ambiente faz de todos seus inimigos; não é só um jogo de dados, qualquer outro jogo é só uma representação deste, você tem que ser o melhor, você precisa saber remodelar sua face a cada porta que entra, caso contrário, você não é bem-vindo e não terá acesso ao lugar não podendo explorá-lo a seu favor; é o jogo da enganação, todos sabem do jogo, mas mesmo assim todos se deixam enganar, todos enganam, você tem que ser peçonhento, as palavras que te manterão vivo, são as palavras que te matarão. É o jogo de quem trabalha mais, pra comer coisas mais refinadas, porém, no fim dar a descarga como qualquer ‘vagabundo’; o jogo das marionetes libertinas, dos instintos desenfreados que extrapolam os limites, da pele ao coração, do dinheiro á alma, e faz de cada um de nós um desgraçado, amargurado, distante dos modelos de antemão idealizados.
É um jogo árduo, que não escolhemos jogar e eu não conheço um ser sequer que não o jogue incansavelmente, nascemos nesse jogo e somos treinados para sobreviver a ele, por questões hierárquicas alguns tem prioridades e as regras não são para todos, a maioria é marginal e violenta, porém o jogo não ensina sobre o jogo, e aqueles que detém o real poder, não sabem do bem que possuem e muito menos lhes é dado condições para usá-lo. É o jogo envolvente de uma minoria que toma todas as devidas precauções para manter viva a crença nas regras, e assim alienar o poder que de fato está com a maioria, e dessa forma se manter no controle.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Oração do órfão




As flores não nascidas
Ficam ás caveiras
Pois as noites mal dormidas
São o breu do inferno

Que os gêmeos separados
Nunca se encontrem

Os braços das árvores ressuscitadas do outono
Que alcancem as grávidas
E que essas saibam se alimentar do pólen
Pois nem só de morte se faz a vida

Que os cupins se alimentem só de portas
E desfaçam os mistérios
Entrelacem desconhecidos
Como se não fossem distintos

Que minhas veias não imitem as ruas
Que eu não seja construído
Que eu sinalize meu desequilíbrio
E não traia meus instintos.

domingo, 15 de agosto de 2010

Sua violência controla a minha violência


Fui feito muito mais selvagem do que me apresento,
eu mentia, brigava, chorava e gritava por um fandangos,
hoje é tudo burocracia e educação.
Conforme aprendo a linguagem polida desses homens velhos e assustados,
deixo de ser o selvagem berrante e ensangüentado que era, e toda a recusa de refletir sobre quem sou eu, me Leva a crer que estou certo,
enquanto esse trajeto decadente de coração palpitante, não é senão esculpir um epitáfio, e que seja mesmo desespero esse ponto de vista, pois ao contrário do selvagem que eu nasci, é calado que eu vou morrer, e o pior: engravatado.
Que essa educação e bons modos insinuados pelos sinos da igreja contradigam o selvagem que deus me cuspiu, e fique clara a farsa que é esse mundo de sorrisos e enganação, pois é de estomago na boca que existimos, e da minha violência controlando a sua que funcionamos, enfim, que eu viva como um monstro, ao invés de morrer como um homem bom.

domingo, 8 de agosto de 2010

Odeio fotos



Grande parte do que eu vejo são fotografias, sorrisos eternos e comprados, imagens, poses, uma geração sem movimento, igual nas fotos, quase sem alma.
Odeio fotos, não me dizem nada, trago na minha natureza a memória, isso me basta, fotógrafos não são profissionais, qualquer ser – humano tem suas fotografias vivas dentro do espírito, e não precisa de nenhum tipo de faculdade pra isso, basta a geração materna. Não gosto de ficar falando mal das pessoas do meu tempo, pois fica subentendido que acho a geração da minha avó mais valorosa, mas odeio os velhos, por terem sido os egoístas que foram e terem deixado esse pandemônio debaixo dos meus pés, creio eu, que como na geração da velha ranzinza de onde indiretamente eu vim, existia uma minoria juvenil perspicaz aos fatos, mas como a maioria sempre acaba falando por todos, os odeio em geral, assim como detesto esse ponto de vista ‘fotografal’ das pessoas ao meu redor hoje.
Que o que eu digo seja clichê, desde que seja honesto, eu nunca substituirei os movimentos de lábios e cheiros que trago na memória, pelo clique de uma Kodak ou uma merda da Sony cheirando a plástico, muito menos permitirei que a fotografia em si se sobreponha aos fatos da minha vida, não substituo essa sensação de estar misturado a mobília de uma casa, em cima de um caminhão de mudança e ver uma capital ser deixada pra trás, essas fotos que movem os jovens hoje em dia, propõe uma articulação de pensamento, quando na realidade simplesmente refletem um olhar vazio de intelecto, infelizmente são a cara dessa geração a qual fui cuspido, paradas, compradas, vazias, sem cheiro nem movimento, coloridas e sem alma.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Seu Giuseppe


Tem dez minutos que jogaram a primeira pá de terra sobre o meu caixão, eu estava aqui pensando: não sou cataléptico, mas sim, um literato transcendente, e sete palmos acima dessa minha morada pra eternidade, durante toda essa noite e conseqüentemente amanhã, os semáforos vão continuar: amarelo e vermelho, verde. Amarelo e vermelho, verde. Amarelo e vermelho, verde... A cidade amanhã vai continuar seu ciclo, normalmente, mesmo sem mim, seu Giuseppe Cortame.
Eu vi essa cidade debaixo d’água, vi rodeios e tiroteios, fiz duas serenatas e por vezes gastei o dinheiro do mês na zona, casei três vezes, na terceira casei viúvo, fui pai, padrinho e avô, testemunha de casamento, estou em vários álbuns de fotos com blazers hoje apodrecidos, sustentei amantes e transfigurei meu coração entre paredes que hoje não existem mais; mataram um dos meus filhos e incendiaram minha casa, plantei quatro árvores e enterrei um homem que eu mesmo matei, nunca levitei, mas troquei cinco cavalos por um Fiat, eu tinha apego a um dos pangarés, sangrei muitos porcos e conheci o mar, dormi na cadeia e acordei com sangue seco na boca, me traumatizei e me esqueci, negligenciei meus deveres franciscanos e neguei copos de água, deixei lá na estante vários troféus e medalhas do Rotary e de funcionário do mês, bati em mulheres e saí na coluna social, doei sangue e fiz um transplante de pâncreas, dirigi bêbado e me confessei, parei de fumar e organizei festas surpresas de aniversário, comprei discos dos bee gees e do rei Roberto Carlos, mas do mais, sempre fui um sertanejo.
Morro sem a certeza de ter amado, pois de todas as possibilidades, morri na cidade onde nasci, meu filho me enterra a dois túmulos de onde enterrei meu pai, não me despedi do céu ou do sol, morro com o sentimento da palma da mão de uma criança qualquer me apertar o peito por dentro e rosnar, que eu não só não aproveitei meus dias como nem percebi que estava vivo; agora, na iminência de desaparecer eu percebo, eu existi!

sábado, 10 de julho de 2010

Eu tinha medo de vampiro


Sei lá, tem coisas que eu só vejo pelos olhos do meu irmão, eu sei, encontro bastante gente por aí que pensa como eu e porventura me torno amigo, mas tem coisas que só vejo pelos olhos do meu irmão; aquele que viveu no mesmo quarto escuro que eu, quando meus medos não eram assim tão simples, como não ter um emprego, mas sim quando eu tinha medo de vampiros ou seres inexpressivos assassinos, o que são meus medos hoje comparados a quando eu tinha medo de vampiro e tinha que dormir no escuro? Hoje eu e meu irmão dirigimos e tomamos cerveja, ele já é pai, e eu sou tio-padrinho, mas um dia fomos crianças invisíveis e roubamos os vale-transportes da nossa mãe viúva para jogarmos fliperama, os olhos dele, que hoje fixam em fardos de nota de cinqüenta, ainda são os mesmos daqueles que vidravam na TV quando o Mário pegava a estrelinha, hoje, quando almoço com meu irmão, eu me vejo como alguém mais complexo, não só alguém que quer ter dinheiro, carro e namorada, eu me vejo como alguém que um dia teve medo de vampiro.