Vivendo enclausurados em nós mesmos esquecemos o nosso tamanho, mas somos lembrados dele quando temos a oportunidade de observar o horizonte amplo ruborizado antes da tempestade, a tempestade, ou as estrelas em uma noite limpa. Esse esquecimento é um vácuo que constantemente nutrimos sem saber, mas que porventura se desfaz e a verdade então assusta. Digo "a verdade" porque não somos senão parte da natureza e do espaço e as vezes temos que perceber isso.
Mas somos covardes, diante do mar ou dos grand canyons, e inversamente covardes diante de organismos igualmente vivos mas menores em seus tamahos: aranhas, vespas, porcos e frangos. Há um mistério no tratamento aos cachorros e gatos e a divisão destes de acordo com nossos pontos de vista também.
Nós não somos senão contraditórios, sozinhos e simbólicos. Isso é difícil de aceitar. Manipulamos o tamanho das coisas para poder aceitar isso mais facilmente. Manipulamos o tamanho do nosso coração e do compromisso de uns com os outros, isso em corrente social nos faz esquecer que somos sozinhos.
O mundo não vai acabar. Só as pessoas vão.
ranzinza

segunda-feira, 5 de setembro de 2016
sábado, 23 de julho de 2016
quarta-feira, 13 de abril de 2016
A sala de revelação de fotos
Pretendo
escrever alguns episódios autobiográficos. Diga-se então que sempre fui
perdidamente sentimental e magnificamente tímido. Sempre fui uma bomba
silenciosa e nunca me remediei. Perceba-se os relatos de quem foi uma criança
observadora que depois de levar uma tapa na cara do irmão, que disse “você não
tem boca pra nada”, começou a querer se expressar.
*
Ampére
é no Paraná. Oscila entre 21 e 17 mil habitantes há décadas. Aos pés da igreja
matriz se estende a praça central, daí deságuam as ruas da cidade abaixo. Nas
costas da igreja não deságua nada, lá está o banhado – nome real -, bairro
fundo onde moram os pobres mais pobres da cidade.
De
Curitiba fui morar em Ampére, estive lá dos 7 ou 8 anos até os 14. Algo entre
1996 e 2002. Na minha cabeça essa cidade é muito maior do que é de verdade, (a)
porque era pequenino nos anos que morei lá, cresci bastante depois de ir embora,
e (b) porque nutro uma raiva grande por essa cidade – não vou pontuar essa
raiva em um texto apenas.
Hoje
em dia sou adepto da yoga e da meditação, mesmo assim não pretendo me desfazer
dessa raiva que cultivo de Ampére, porque é uma raiva verdadeira, honesta, de
coração. Eu odeio aquela cidade com vigor, a tenho por inimiga. Talvez isso me
faça alongar minha ideia de que todo homem deve ter inimigos à ideia de que
todo homem que se preza deve ter ódio de algum lugar do seu passado. Embora
minha avó plantasse morangos – em cima da foça da sua casa – eu não cresci em
um pomar perfumado, cresci na sujeira. Ampére é suja.
São
as pessoas que fazem a cidade, então quando digo que odeio a cidade estou
dizendo que odeio o que a ela é moralmente. Odeio aquelas poucas famílias que
se tratam orgulhosamente por seus sobrenomes italianados e planejaram a cidade
e estabeleceram que ali há um núcleo familiar, que eles dominam. Eu sempre fui
ali um forasteirozinho, um pobre, um alguém sem sobrenome, um piá filho de uma
pobre e viúva irmã dos donos do restaurante, um menino orelhudo que dava sinais
de rebeldia e tinha que apanhar – e ser trancafiado no seminário, história para
outro momento. Eu nunca vou perdoar essas pessoas.
Sou
feliz por não carregar o sobrenome Pluscinski na identidade, pois é o sobrenome
da família amperense da minha mãe, família que entre outras ajudou a fazer de
Ampére essa Salém que é. Que planejou a vida de vinte mil cidadãos ao redor de
uma igreja feia.
Hoje
tenho ódio de muitos tipos de gente, e quase todas são frutos da minha experiência
em Ampére – como aqueles polacos que bebem e ficam com a bochecha vermelha,
fedorentos e machões.
Mas
tenho um carinho muitíssimo grande por inúmeras pessoas que moram em Ampére até
hoje. Amigos, incríveis, que me ensinaram a pensar e tudo o que sei hoje é
resultado daquilo para o que fui acordado com essas pessoas; estarão pra sempre
no meu coração, embora nosso contato hoje seja pequeno.
*
A
choupana, restaurante de um dos meus tios, onde minha mãe foi trabalhar assim
que chegamos à cidade, era em uma das esquinas da igreja, em frente à praça.
Esse mesmo tio tinha uma loja de pneus nessa época. A loja era sempre muito
ociosa e eu e meus dois primos ficávamos por lá quase todo o tempo, nos
escondendo dentro dos pneus novinhos com cheiro de pneus novinhos – até hoje o
cheiro de pneu novo me transporta àquele tempo, troquei os pneus do meu carro
há três semanas - e atendíamos o telefone que esporadicamente tocava. As lojas
dos lados eram igualmente ociosas e nós frequentávamos em clima de camaradagem
infantil esses espaços todos. Passavam poucos carros nas ruas.
Um
negócio ali do lado era um estúdio de fotografia. Eu não lembro quem era o
sujeito, eu não lembro como era a frente do estúdio, apenas lembro de estar em
algum momento único da minha infância dentro de uma sala amplamente escura em
que o sujeito molhava, o que hoje sei que são, filmes de fotos em um recipiente
com algum liquido raso, analisava os filmes das fotos no ar em uma luz
estranhamente vermelha e as pendurava com um prendedor de roupas em um varal de
fotos.
Tudo
era muito vulto. E eu não sabia o que estava acontecendo, mas estava ali em
silêncio em um canto nesse instante estranho da vida.
Hoje
eu explicaria como se desenvolveu o raio-x, a fotografia, como a fotografia deu
vasão ao cinema e como o cinema transformou toda a ideologia da humanidade no
século XX, seria capaz de fazer vínculos que justificam o comércio ocioso
terceiro-mundista e até entender parte da psique daquele cara baseado em poucas
palavras que ele me dissesse enquanto pegava delicadamente aquela foto e a
pendurava naquele varal. Mas naquele momento eu tinha sete anos apenas e meu
coração ainda não cabia no mundo.
segunda-feira, 5 de outubro de 2015
BRINCANDO DE TRADUTOR DA 6ª PARTE DO "POEMA DE SETE FACES"
"Mundo mundo vasto mundo
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima,
Não uma solução.
Mundo mundo vasto mundo
Mais vasto é meu coração."
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima,
Não uma solução.
Mundo mundo vasto mundo
Mais vasto é meu coração."
"World world vast world
If I was called Harold
It Wouldn't be a solution,
The rhyme'd just be smart.
World world vast world
Vaster is my heart."
If I was called Harold
It Wouldn't be a solution,
The rhyme'd just be smart.
World world vast world
Vaster is my heart."
"Mundo mundo vasto mundo
Si yo fuera Raimundo
Sería una rima,
No una solución.
Mundo mundo vasto mundo
Más vasto es mi corazón."
Si yo fuera Raimundo
Sería una rima,
No una solución.
Mundo mundo vasto mundo
Más vasto es mi corazón."
"Monde monde vaste monde
Si je m'appelé Edmond
Ce serait pas une solution,
Mais une rime génériqueur.
Monde monde vaste monde
Plus vast est mon cœur."
Si je m'appelé Edmond
Ce serait pas une solution,
Mais une rime génériqueur.
Monde monde vaste monde
Plus vast est mon cœur."
terça-feira, 29 de setembro de 2015
O GROOVE DO VERDADEIRO ASSASSINO
Um,
dois, três, quatro tiros em intervalos iguais entre si. Os ecos acontecem
afinados e a onda de algo que se desmancha vai para a esquina... A multidão
alvoroçada dispersa e abandona os quatro cadáveres ao redor do dono do mundo
daquele instante. Carlos Alberto coloca a pistola quente na cinta e vai embora
de carro tranquilo.
A
mesma população miserável e vítima de uma ordem social escrotamente injusta a
quem só resta acreditar que há alguma justiça universal, “aqui se faz, aqui se
paga”, acredita também na polícia. Mas Carlos Alberto comeu e tomou cerveja
normalmente em todos os dias seguintes da sua vida, viu televisão, apostou na
rinha de galo, depositou o dinheiro da pensão, etc., etc., etc.
O
mundo é como uma roldana sem azeite e a mente como o fluxo do transito de Nova
Deli dentro de uma caveira. Olhos? As vezes é melhor não tê-los, principalmente
se você é filho do hemisfério sul do mundo, mas não sejamos injustos: um país
bonito não evita todo o sofrimento do coração humano.
Um,
dois, três, quatro tiros em intervalos iguais entre si. O Goiás garantiu a vaga
para a pré-libertadores esta noite, Carlos Alberto voltou da janela e colocou a
pistola quente em cima da mesa da cozinha. Algo no coração tropical dele sorri
e na sua cabeça esse sorriso é banguela. O sorriso que deveria dispersar nos
instantes seguintes é fomentado nos dias seguintes pelos bate papos esportivos
de jornalistas que ninguém sabe quem são, de onde vêm ou pra onde vão.
Os
dias se intercalam em intervalos iguais entre si. E quando o Goiás perdeu a
pré-libertadores para o Pachuca do México muita gente já era caveira e muito
verme já tinha virado borboleta. As árvores ainda eram plantinhas, mas o som da
vida seria perpetuado não mais pelos gemidos da gente mas o chilro das folhas
das árvores que os mortos adubam.
No
fim só há música.
segunda-feira, 4 de maio de 2015
![]() |
Kikuji Kawada, Sunspot And A Helicopter, Tokyo, 1990 |
O SELVAGEM MORTO
Veja este índio
escalpelado
Sendo puxado das
profundezas do lago
Gelados
Puxado pela corda do
seu pescoço
Olhos bem abertos
sem expressão
Brancos
A relva e a neblina
são tão ele quanto o descaso
A caveira do macaco
e o bebê retardado
Quietos
As máscaras bestiais
que falam as línguas cristãs
Fazem a história
numa dança de vultos em torno do fogo
Ensopados
Aqueles que
escreveram o mundo com rosários nas mãos
Eliminaram estes que
têm o sangue no mesmo curso da seiva
Mortos
terça-feira, 20 de janeiro de 2015
Roupas
Como a máscara dos que dormem de máscara
E na manhã seguinte descobrem que nunca mais a desgrudarão do rosto
As roupas são o tecido tênue que divide o homem e o mundo
O real e o fantástico
Então não se esqueçam que de tão pegadas ao corpo
As roupas confundem-se com nós
Mas são só coisas
As roupas são a pele da ética
Elas são o limite entre o homem em paz e o mundo cão
A coisa limítrofe entre duas verdades
As roupas são o sinal mais luminoso que diz que o homem precisa da ficção
As roupas são a primeira escolha diária de cada homem
E também a primeira expressão
As roupas são a dica de que não há como fugir das abstrações
As roupas são de alguma forma a natureza de todas as loucuras
As roupas podem gritar mais do que muitos quadros
Elas apontam o dedo em tom de inquisição
Seja pra quem as veste ou as repara
As roupas confeccionam ideias absurdas
E afirmam como verdade todo absurdo
São a origem das fofocas?
As roupas são o fio fino e transparente que junta e divide a verdade da mentira
Como o rio negro que se encontra e se divide de outro rio
As roupas protegem da lama
Outras roupas protegem do sangue do paciente
Outras roupas identificam o garçom
Esse tipo de roupa divide a gente toda do mundo como pedaços uniformes de uma pizza
Os outros tipos de roupa podem autenticar indivíduos
Mas estas também muito facilmente se tornam cópias das cópias das cópias
E logo a pizza vira uma bagunça uniforme mais uma vez
Onde estão todos sendo woompa loompas achando que são Srs. Wonka
As roupas são a extensão sem fronteiras do homem
As roupas são o reflexo que o homem precisa criar de si mesmo
Para que constitua sua identidade
As roupas são o próprio personagem do homem e não o seu figurino
As roupas talvez sejam bloqueadoras de sonhos e ferramentas dos pesadelos
Mas são sem dúvida o porquê do tesão
E da riqueza da indústria pornô
As roupas desenham o mundo
Mas quem as desenha só desenha cifras de bucks
A eletricidade das multidões têm livre arbítrio e poder
Poder de um sobre o outro e do outro sobre um
E ninguém das multidões percebe as passarelas das Fashion Weeks
Cada um de todos os homens do mundo quer existir para cada um de todos os homens do mundo
E por isso gasta o dinheiro do seu trabalho em roupas plurais
E sai com elas de casa para o universo
E se o homem não quer mais escolher suas roupas ele já morreu
E sabe disso
E se o homem julga outro homem como gay por escolher bem sua roupa
Esse homem é brasileiro
E se no Brasil um homem escolher muito bem sua roupa ele é gay
E se na França um homem não escolher bem sua roupa ninguém fala com ele
Isso eu inventei
Há passagens na bíblia sobre as roupas do céu ou do inferno?
O Chico Xavier falou algo?
As roupas são a maior gaiola terrestre
As roupas são a grande chave social
Há maldade maior do que ensinar aos índios o que é pecado?
Jogaram-lhes roupas na cara e borraram suas pinturas
As roupas transformam qualquer homem em tudo o que ele quiser ser além dele mesmo
E ele pode ser tudo o que quiser desde que as compre
Ou tenha o direito de as usar
Como um padre ou um juiz
De futebol
Mas assim as roupas também ensinam aos sábios
Que somos apenas uma coisa
E por meio delas estamos o quanto desejarmos
Veja
Um homem pode estar padre desde que vista a batina
Pois amanhã pode estar juiz desde que carregue um apito e cartões
Mas se as roupas caíssem deste homem para sempre?
Ele estaria condenado a ser
Mas o fato é que as roupas caem e sobem
No corpo ou no Cabide
Abrem e se amarram
Por trás ou pela frente
Há ainda os ridículos que colocam roupas em seus cachorros
Haja perversão!
Mas as roupas sempre estarão dizendo em silêncio tudo o que precisa ser dito
Nada
E ao dizerem isso dizem o essencial
Sejamos livres.
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