ranzinza

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quarta-feira, 21 de julho de 2010

Seu Giuseppe


Tem dez minutos que jogaram a primeira pá de terra sobre o meu caixão, eu estava aqui pensando: não sou cataléptico, mas sim, um literato transcendente, e sete palmos acima dessa minha morada pra eternidade, durante toda essa noite e conseqüentemente amanhã, os semáforos vão continuar: amarelo e vermelho, verde. Amarelo e vermelho, verde. Amarelo e vermelho, verde... A cidade amanhã vai continuar seu ciclo, normalmente, mesmo sem mim, seu Giuseppe Cortame.
Eu vi essa cidade debaixo d’água, vi rodeios e tiroteios, fiz duas serenatas e por vezes gastei o dinheiro do mês na zona, casei três vezes, na terceira casei viúvo, fui pai, padrinho e avô, testemunha de casamento, estou em vários álbuns de fotos com blazers hoje apodrecidos, sustentei amantes e transfigurei meu coração entre paredes que hoje não existem mais; mataram um dos meus filhos e incendiaram minha casa, plantei quatro árvores e enterrei um homem que eu mesmo matei, nunca levitei, mas troquei cinco cavalos por um Fiat, eu tinha apego a um dos pangarés, sangrei muitos porcos e conheci o mar, dormi na cadeia e acordei com sangue seco na boca, me traumatizei e me esqueci, negligenciei meus deveres franciscanos e neguei copos de água, deixei lá na estante vários troféus e medalhas do Rotary e de funcionário do mês, bati em mulheres e saí na coluna social, doei sangue e fiz um transplante de pâncreas, dirigi bêbado e me confessei, parei de fumar e organizei festas surpresas de aniversário, comprei discos dos bee gees e do rei Roberto Carlos, mas do mais, sempre fui um sertanejo.
Morro sem a certeza de ter amado, pois de todas as possibilidades, morri na cidade onde nasci, meu filho me enterra a dois túmulos de onde enterrei meu pai, não me despedi do céu ou do sol, morro com o sentimento da palma da mão de uma criança qualquer me apertar o peito por dentro e rosnar, que eu não só não aproveitei meus dias como nem percebi que estava vivo; agora, na iminência de desaparecer eu percebo, eu existi!

sábado, 10 de julho de 2010

Eu tinha medo de vampiro


Sei lá, tem coisas que eu só vejo pelos olhos do meu irmão, eu sei, encontro bastante gente por aí que pensa como eu e porventura me torno amigo, mas tem coisas que só vejo pelos olhos do meu irmão; aquele que viveu no mesmo quarto escuro que eu, quando meus medos não eram assim tão simples, como não ter um emprego, mas sim quando eu tinha medo de vampiros ou seres inexpressivos assassinos, o que são meus medos hoje comparados a quando eu tinha medo de vampiro e tinha que dormir no escuro? Hoje eu e meu irmão dirigimos e tomamos cerveja, ele já é pai, e eu sou tio-padrinho, mas um dia fomos crianças invisíveis e roubamos os vale-transportes da nossa mãe viúva para jogarmos fliperama, os olhos dele, que hoje fixam em fardos de nota de cinqüenta, ainda são os mesmos daqueles que vidravam na TV quando o Mário pegava a estrelinha, hoje, quando almoço com meu irmão, eu me vejo como alguém mais complexo, não só alguém que quer ter dinheiro, carro e namorada, eu me vejo como alguém que um dia teve medo de vampiro.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Grita-se


Grita-se um grito forte, de desespero

Um grito que suplica

Cordas vocais que vibram um corpo triste

Criam um espírito, ecoam

Grita-se

Um grito de quem esperou frio uma vida inteira

e essa não desembarcou

Tudo passou, grita-se só

Grita-se um grito da escárnio, grita-se parado

Grita-se um grito traído, um grito sem preço

Um grito sem fim, um grito sem começo

Grita-se aquí um grito repudioso

Um grito por erros

Um grito que explode estalos

Grita-se um grito de arrependimento

Quem dera esse grito fosse um grito de medo

Grita-se um grito de dentro

De dentro do que está dentro

Nasce o grito que destrói o que está fora

Do útero, grita-se a morte.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

R E P R O V A Ç Ã O







Meu descontrole é o ensaio da tragédia
Eu planejei, mas pelo jeito não muito bem
Meu público presencia uma comédia
Eu percorro esses trilhos sem ser um trem
Eu te perco de vista
Por entre meus dedos
Reprovação
Parada na porta você repete:
Não, não e não.
Simples, eu também tenho fome
Perco nos dados, descruzo meus dedos
Somos daqueles que tropeçam sozinhos
Desenham sorrisos, vendem ilusões
Somos aqueles misteriosos negativos
Virtuosos e ingênuos, figurantes
Merecedores de poucas palmas
Sedutores iniciantes
Bochechas vermelhas, tragos ásperos
Pancadas solitárias, sonhos ordinários
Sol atrás de sol
Conhecemos nosso destino
Com graxa debaixo das unhas
Traga a fumaça o pulmão
Eu sou só um menino.

domingo, 16 de maio de 2010

Eu sempre caio no silêncio.




Geralmente, eu caio no silêncio, sem mais, sem menos, sem desmerecer o que eu vejo ou o que eu passo, sem desmerecer o próprio silêncio; esse não é um poema (poesia ou qualquer coisa) de resignação, mas eu sempre caio no silêncio.


Em nenhum outro lugar fui tão honesto e me ví tão de perto quanto aquí, no silêncio. A música ou o rosto que eu quiser lembrar, nada distrai a minha memória. Esses dias andam me despejando no silêncio, me fazendo relfetir e logo escrever, escrevo sem ambição, escrevo quieto, sobre o silêncio.


Próximo do desmaio, eu me desequilibro mas não caio, não estou canssado e só aquí eu vejo todos os papéis que eu assumo enquanto distraído, só aquí eu vejo que mesmo sem saber de fato quem somos, sempre temos um conselho engatilhado. Aquí eu mergulho na angústia, aquí eu existo, aquí aparecem meus sintomas de vida, vermelhidão e respiração ofegante, é aquí que eu me desdomino e me perco, procuro no dicionário o significado da palavra 'pecado', então 'traição', procuro na parede um furo, no espelho, no meu 'metaolhar', no meu 'metasilêncio', eu procuro mais significados, e na minha pesquisa, encontro muitos 'metasignificados'.


Aquí, no silêncio, eu desmonto meu cubo mágico, levanto da cama tão rápido o quanto sento, aquí no silêncio, a música é uma cirurgia, e assim como a vida, o silêncio é quebrado da maneira mais inimaginável, no momento mais simples.

domingo, 25 de abril de 2010

Ser


Essa subjetividade nua e cega
Essa sensação depravada
Que relata ao homem a humanidade
Explode, o silêncio que atravessa do ventre á morte
Sentir é permitir
E é gritante o escândalo de se colocar na luz,
No momento em que os olhos miram o caos

segunda-feira, 19 de abril de 2010

O intelectual e a verdade


É fácil falar de qualquer coisa.
É só eu chegar aquí, e falar bonito, conforme todas aquelas velhas e insuportáveis regras do português, citar nomes de autores renomados no tal assunto, o que lhes levaria a pensar que eu conheço o assunto e seus pesquisadores, assim e acabaria por lhes convencer que sei mais que vocês, e lhes convenceria do que eu falo.
Toda essa maracutaia, é o que os intelectuais chamam de retórica, ou estratégias argumentativas.
Mas e a verdade onde que fica?
Como universitário, ou seja, vivendo no meio de um ou outro intelectual, na grande maioria pseudo-intelectuais, percebí que a menor preocupação de todo esse povo é com a verdade.
Me contradizendo e citando um pensamento do Nietzsche, digo que é quase um pecado ler muito, você acaba transformando seu cérebro em um campo de batalha de desconhecidos, você não luta,
apenas é povoado e não terá reconhecimento algum. E o que é ser um intelectual senão alguém entupido de livros e pensamentos alheios na cabeça?
O que é a educação senão a formação, ou seja, a TRANSformação
do que você de fato é, a construção de um você, de uma mentira.
A verdade está no silêncio, está nas ruas.
A verdade está em um menino de dez anos que morreu afogado em Clevelândia esse fim de semana, ao cair de um barranco dentro de um rio que dava na sua cintura, o corpo foi achado com uma das mãos fechadas com uma bala de menta dentro, ele estava morrendo, mas não soltou a bala. A verdade está na inocência, quando se abre mão do instinto de sobrevivência, por um desejo muito simples, me vêm a mente Jim Morrison optando pela morte prematura, me vêm na mente o punk, na sua forma mais intuitiva e menos polida, menos educada, surgindo nas ruas de qualquer país pobre desse mundo miserável com uma imagem refinada.
Eu posso te convencer de qualquer coisa, mas quero te mostrar que se deixar convencer, é se deixar morrer, não como Jim Morison, mas sim como muitos desses falecidos que deixaram pragente esse mundo do jeito que está.
A verdade está na opção de ficar sozinho depois de achar que encontrou alguém "especial".
"Especial", sempre duvidei dessa palavra, e sempre achei muita gente simples por aí, que me prendeu por anos.